Se o dramaturgo Nelson Rodrigues nos ensinou algo duradouro foi a ideia de que o brasileiro sofre de um mal crônico: o complexo de vira-lata. Um sentimento de inferioridade que ressurge toda vez que se vê diante do estrangeiro — especialmente quando esse estrangeiro vem da Europa, talvez como herança do colonialismo. Esse traço, que já foi mais social e político, com o tempo se infiltrou também no âmbito do esporte.

Do orgulho à insegurança

Durante décadas, no entanto, o futebol foi justamente o antídoto contra essa síndrome. A seleção encantava o mundo, nossos clubes impunham respeito e os craques daqui eram os mais cobiçados do planeta. Mas esse tempo parece ter ficado para trás. O abismo técnico, físico e tático que se abriu entre as ligas sul-americanas e as potências europeias empurrou até o futebol para o buraco do vira-latismo.

Palmeiras empata com o Porto na primeira rodada do Mundial de Clubes da Fifa, mas joga melhor / Palmeiras

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O reflexo mais visível disso está nos números. Desde 2012, quando o Corinthians venceu o Chelsea e conquistou o último título mundial para o Brasil, nenhum clube sul-americano conseguiu repetir a façanha. De lá para cá, o script se repetiu à exaustão: entrega, raça, boas intenções — mas poucas vitórias e muita resignação.

Novos sinais, velhas dúvidas

É por isso que a estreia dos quatro clubes brasileiros no Mundial de Clubes da Fifa 2025, nos Estados Unidos, merece ser analisada com cuidado. Pela primeira vez em muito tempo, o Brasil não entrou em campo para apenas participar. Jogou. Competiu. E em alguns momentos, convenceu.

Fluminense joga melhor do que o Borussia no MetLife Stadium, em New Jersey, na primeira rodada do grupo / Fluminense

O Flamengo venceu o Espérance, da Tunísia, por 2 a 0 com a autoridade de quem sabe que ainda pode sonhar grande. O Botafogo, por sua vez, superou o Seattle Sounders com um futebol simples, mas eficiente. Duas vitórias esperadas, é verdade, contra rivais de menor tradição. Mas duas vitórias que contam.

Palmeiras e Flu

Mais impressionantes foram os empates de Palmeiras e Fluminense diante de dois adversários de peso: Porto e Borussia Dortmund. Sem gols, mas não sem brilho. Nos dois jogos, os brasileiros foram melhores. Controlaram o jogo, criaram mais chances e deixaram a sensação de que poderiam ter vencido. Faltou o gol, mas sobrou personalidade.

Nem euforia, nem rendição

É claro que não se trata de reinventar o mapa do futebol a partir de uma rodada de fase de grupos. Os europeus seguem como favoritos ao título. E o histórico recente ainda pesa contra nós. Mas também é inegável que os brasileiros mostraram que podem mais do que apenas figurar. Jogaram com ambição. E com dignidade.

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Talvez não seja ainda o momento de falar em reconquista de hegemonia, mas já é hora de abandonar a rendição automática. Aquele discurso derrotista, de que não dá para competir, de que o destino nos reserva apenas o papel de coadjuvante, precisa ser desafiado.

Ainda dá pra acreditar

O futebol brasileiro segue convivendo com contradições profundas, problemas estruturais e desníveis de gestão. Mas também segue revelando talentos, formando elencos fortes e encontrando, aqui e ali, treinadores e ideias capazes de competir em alto nível. Flamengo e Palmeiras, por exemplo, têm elencos que poderiam vestir a camisa de qualquer time europeu de primeira linha. O Fluminense mostrou que é possível jogar bonito contra qualquer um.

Jair marca o primeiro gol do Botafogo na vitória da estreia do Mundial contra o Seattle Sounders / Botafogo

Ao fim da fase de grupos, é provável que os quatro brasileiros estejam classificados. E mesmo que o título ainda pareça distante, esse começo de Mundial já serviu para uma coisa: devolver um pouco do orgulho que parecia esquecido em alguma esquina do passado. E isso, num cenário de tanto descrédito, já é um bom começo.

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