A estreia de Carlo Ancelotti no comando da seleção brasileira terminou como tem terminado a maioria dos jogos do Brasil nos últimos anos: com pouco brilho, escassa criatividade e um resultado decepcionante. O empate sem gols não pode ser tratado como surpresa — tampouco como fracasso do treinador italiano, que mal teve tempo para trabalhar. Mas é, sim, um reflexo do que a seleção se tornou: um time que não joga bem nem contra seleções que antes eram meros coadjuvantes no cenário sul-americano.

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A verdade é que não existe milagre. Não há varinha mágica que transforme uma equipe carente de ideias em protagonista do jogo bonito que já foi símbolo nacional. O que Ancelotti precisa fazer — e essa talvez seja a sua maior missão — é reconstruir não apenas um time, mas uma cultura de jogo. O Brasil precisa voltar a acreditar no futebol ofensivo, no improviso, no drible, na obsessão pelo gol. Hoje, nos acomodamos em estratégias defensivas, obcecados em neutralizar o adversário, mesmo que isso implique em abrir mão da própria identidade.

Treino da seleção brasileira no CT do Corinthians após empate sem gols com o Equador na estreia de Ancelotti / CBF

A seleção atual parece um espelho do futebol jogado no país: taticamente defasado, preso ao passado e excessivamente dependente de volantes. Sim, volantes. Esse personagem que se multiplicou nos elencos dos clubes brasileiros — o Corinthians, por exemplo, tem oito — mas que pouco contribui ofensivamente. São jogadores que vivem de desarmes, faltas e passes laterais. Zero assistências, nenhuma presença ofensiva e zero criatividade. Nossa idolatria por volantes é, em parte, responsável por essa mentalidade: primeiro não perder; empatar está bom; e se der, vencer no acaso.

Falta de ideias em campo

Há exceções? Poucas. Palmeiras, Flamengo e Fortaleza tentam romper esse padrão, com ideias mais arejadas e propostas agressivas de jogo. Mas o restante ainda vive sob o jugo da cautela — e a seleção também. Perdemos a vocação para o improviso. Trocamos o jogo espontâneo por um futebol burocrático, estéril, que se distancia cada vez mais do que se joga na Europa e até mesmo em outras partes da América do Sul.

Formação da seleção na primeira partida do técnico Carlo Ancelotti: empate com o Equador fora de casa / CBF

A atual classificação nas Eliminatórias não mente. O Paraguai, antes sinônimo de retranca, ousa mais do que o Brasil. O Uruguai, mesmo em eterna transição, ainda tenta propor jogo. Da Argentina nem se fale, segue jogando com firmeza e coragem. Só o Brasil permanece parado no tempo — técnico novo, ideias velhas.

Força pelas laterais

O jornalista Guto Mônaco, especialista em futebol internacional, destaca que outro sintoma dessa estagnação está nas laterais. Ele lembra que houve um tempo em que o mundo reverenciava os “laterais brasileiros” como uma escola à parte. Cafu e Roberto Carlos eram temidos pelo vigor físico; Leandro e Júnior, pela técnica refinada; Nelinho, Marinho Chagas e o próprio Roberto Carlos, pelo chute potente. Todos eles sabiam atacar e desequilibravam jogos.

Hoje? Qual foi o último lateral brasileiro com essas credenciais? Nossos laterais deixaram de ser armas e passaram a ser peças neutras no tabuleiro, analisa ele, com propriedade.

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Logo, o desafio de Ancelotti não será apenas encontrar soluções táticas, mas reinventar uma ideia de jogo. Mais que um treinador, o Brasil precisa de um reformador. Alguém capaz de romper com esse marasmo conceitual, de fazer o futebol brasileiro voltar a olhar para a frente — literalmente e simbolicamente.

A Copa de 2026 não está perdida, mas exige um novo caminho. E talvez a primeira lição da estreia de Ancelotti seja justamente essa: o problema do Brasil não é (só) de treinador. É de mentalidade. E ela precisa mudar agora. Ou seguiremos como um retrato desbotado na parede da sala como lembrança daquilo que já fomos em algum lugar do passado.

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